Artista emerso dos repressores e sisudos anos 70, quando dirigiu-se para o Rio de Janeiro, deixou para trás o iluminado estado do Ceará e alguns artistas pontuais importantes que fizeram a história da arte local mesmo que lidando com a intransigência de uma sociedade à época não afeita às inovações artísticas. Sem escolas oficiais de arte e sem instituições museológicas de peso que pudessem fomentar a produção contemporânea local, era um lugar sufocante para a criatividade de Eduardo Eloy.

Ao chegar na capital carioca teve a oportunidade de estudar na prestigiada Escola de Artes Visuais do Parque Lage, um ambiente que como em poucas escolas de arte neste país, foi celeiro de importantes artistas e conquistas que renovaram o panorama da arte brasileira atual. E claro, este período de estudos e contatos profissionais influenciaram fortemente na sua formação artística. Percebe-se na sua produção uma influência marcante daquela época seja pelo uso da cor mais acelerado, seja pelos traços e pinceladas mais agressivos desprendidos sobre papéis e telas.

Ainda nos anos 80 e já de volta à sua renovada Fortaleza, desenvolveu uma obra sempre em diálogo com o panorama nacional, mas pautada pela necessária concentração criativa e reflexiva sobre sua produção. E lá se vão mais de 30 anos de trajetória em que trabalhou a construção de um ambiente receptivo ideal para o escoamento de sua arte na cidade, onde desempenhou um papel importante na formação de outros artistas ao se apresentar também como um professor, principalmente, da linguagem gráfica. Eloy é responsável atualmente por cursos bem sucedidos em que prepara e desperta jovens para o “ofício” de artistas gravadores. Alguns já dão amostras de uma veia artística inspirada nas lições do artista mestre.

Inicialmente, a sua própria formação se deu essencialmente na gravura, linguagem plástica que dedicou-se com desenvoltura e criatividade, passando a dominar com maestria os seus códigos ao longo de sua carreira. Com matrizes nas artes gráficas, foi um dos fundadores do Grupo Aranha, coletivo que produziu intervenções pictóricas próximas de uma grafitagem nos muros da cidade. O que não deixa mais uma vez de evidenciar estas raizes da gravura que também foram levadas para seus desenhos e pinturas de início, em que juntava elementos do imaginário regional. São figuras ou quase figuras originárias de traços vigorosos desprendidos sobre o papel ou sobre a tela. Gestos enérgicos carregados na vibração de um forte e nervoso colorido, como já foi comentado anteriormente.

Nos trabalhos mais recentes o hibridismo característico da pintura com a gravura na arte contemporânea, fez brotar novos trabalhos de profunda dramaticidade. O fundo negro é uma janela para o infinito em que suas imagens pousam em um parapeito imaginário que se transforma a base de sua pintura/gravura. Ora lembram as fantásticas naturezas mortas holandesas com viés contemporâneo, ora apenas imagens de objetos que jogadas naquela mancha escura criam uma atmosfera surreal como aquelas vistas nas pinturas do século 17 com suas figuras que emergem da luz moldadas pela penumbra que se transforma em fundo negro que nos joga no infinito. Como disse o historiador inglês T.J.Clark acerca da pintura como linguagem, estas de Eduardo Eloy também são “mudas”. Silenciosas na profundidade de um quadro negro que as delimitam no espaço das paredes brancas em que são aplicadas. O silêncio que emana dessa composição hoje, em meio a tantas e banais imagens que povoam o nosso entorno e imaginário, tornou-se um bem “plástico” necessário, mesmo que ainda raro nas salas de exposição. Em contraste com o tenebroso deste fundo negro, as figuras que transbordam na sua pintura atual carregam um certo humor que as tornam bastante atuais.

Uma nova fase de sua obra que parece ser um retorno de suas pinturas murais agora  apresentadas direto nas paredes utilizando-se de técnicas digitais para a realização das imagens impressas e recortadas em vinil adesivo. Eloy cria uma nova temporalidade ao dar um caráter êfemero aos seus trabalhos. Pois ao findar a mostra, inevitavelmente, os trabalhos são destruídos para darem lugar a outros de outros artistas. O que resta fica armazenado em um arquivo digital pronto para ser aplicado novamente em qualquer lugar.

Algumas dessas figuras que surgem na pintura digital de Eduardo Eloy, lembram as do artista francês Jean Dubuffet com sua arte bruta povoada de figuras abstraídas nos seus contornos e na sua monstruosidade. Ou mesmo, trata-se no caso do artista cearense, de uma “má pintura” característica dos anos 80 e vistas na obra de artistas como Leonilson, Leda Catunda e Daniel Senise, apenas para citar alguns daquele período. É uma aparente despreocupação com a fatura ou técnica de pintar que não se prende no acabamento de suas bordas ou contornos internos de suas figuras “sujas“. São borradas, com aspectos de destruição e sugerem mesmo um desgaste proposital vistos nas próprias telas e papéis originais apresentados nesta exposição.

Nesta nova fase, a pintura de Eloy deixa de ser artesanal para operar com os novos meios já aceitos para uma gravura ou fotografia na era das impressões digitais. A operação do artista que começa por uma desconstrução de imagens antigas que habitam seu repertório de signos alegóricos e esquemáticos, passa para um segundo momento de reconstrução que resulta em uma nova imagem mais potente com o uso de materiais até então estranhos a uma pintura convencional. Um novo aparato de pintar para Eloy, é o computador e suas possibilidades de impressão digital.

O resultado deste processo artístico é uma representação da representação pictórica que será apresentada nesta exposição do Centro Cultural do Banco do Nordeste que margeia criteriosamente a sua produção ao longo destes 30 anos de uma carreira artística sólida, que extrapola as fronteiras estaduais do Ceará.

Ricardo Resende
Crítico de Arte
Doutorando em Crítica de Arte pela Universidade de São Paulo

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